Anne Frank: Resenha Crítica
"O papel tem mais paciência do que as pessoas"
Não poderia haver frase melhor para começar essa resenha do que essa, pois seu impacto vai além de simples palavras organizadas numa sentença, elas exprimem o cerne daqueles que precisam de refúgio, conforto, atenção em tempos difíceis. O Diário de Anne Frank foi escrito entre junho de 1942 a agosto de 1944, e sua primeira publicação veio um pouco após a Segunda Guerra Mundial em 1947.
Annelies Marie Frank, nascida em 12 de junho de 1929 — Frankfurt, Alemanha — foi uma garota, cuja família era judia. Seu pai, Otto Frank, era um empresário, oriundo de uma família bastarda alemã; sua mãe, Edith Frank, também judia, casou-se com Pim (apelido que Annelies usará para se referir a seu pai) em 1925; sua irmã, Margot Frank, que era três anos mais velha que Annelies, nasceu em 1926.
Annelies, mais conhecida como Anne Frank, viveu seus primeiros anos na extinta República de Weimar, mas logo sua família mudou-se para a Holanda após a vitória das eleições do partido nazista, temendo uma eminente repressão e antisemitismo. Em 1940, porém, os nazistas invadiram os Países Baixos, implementando sua política naquela região, forçando sua família a seguir conforme as restrições impostas.
Anne recebeu o seu amado diário no dia do seu aniversário de 13 anos, em 1942. Logo que recebeu, estreou-o escrevendo que esperava contar tudo e encontrar conforto nele, o que mais tarde ela provou fazer com destreza. No começo, escrevia acerca da vida cotidiana: escola, amizades, paqueras, etc. Anne, inclusive, confessou, nas primeiras páginas, que sentia a necessidade de um amigo verdadeiro em que pudesse confiar, pois suas atitudes e suas amigas na escola, tratavam-se apenas de superficialidade, não tendo uma amizade verdadeira que, conforme sua explicação, se baseia em confiança mútua. Ela, para escrever sobre suas emoções, sentimentos, dia-a-dia, iniciava suas descrições com "Querida Kitty", a qual seria sua melhor amiga durante todo o tempo que escrevia suas cartas para ela, realizando seu maior desejo.
Uma mudança brusca ocorreu em julho de 1942 após Margot ter recebido uma notificação da SS — Schutzstaffel, Organização paramilitar da Alemanha Nazista — convocando-a para se mudar para um lugar reservado para judeus (evidentemente um campo de concentração). Sua família apressou-se para se mudar para um esconderijo, a fim de que não fossem capturados e levados para um fim certo. Anne relata nas páginas de seu diário, dias antes, uma menção que seu pai tinha feito acerca de se esconder, no trecho: “(…) Ele falara tão seriamente que me deixou angustiada.
— Não se preocupe, arranjaremos tudo. Aproveite bem sua vida despreocupada enquanto puder. Foi tudo. Oh! Que a realização destas palavras tão sombrias esteja muito distante ainda!“; o que, claramente, demonstra que a perseguição contra os judeus havia certamente se intensificado.
Anne chegou ao Anexo Secreto (nome que deu ao esconderijo) no dia 6 de julho e sua família, um tempo depois, se acomodou lá com mais quatro pessoas: a família Van Daan e Albert Dussel. O local onde se esconderam foi o antigo escritório que seu pai trabalhou e agora era auxiliado por funcionários da empresa que tinham conhecimento do esconderijo: Miep Gies, Victor Kugler, Johannes Kleiman e Bep Voskuijl.
Agora falando sobre o diário: durante o seu relato, Anne relata sua experiência no Anexo, falando sobre a alimentação, estudos e relacionamento entre os residentes ali. Além disso, ela se mostra muito angustiada com relação ao relacionamento entre sua mãe e ela; em muitos momentos, demonstrando sua raiva e frustração chamando-a de uma pessoa fria, morta por dentro, como relatado no diário o que Anne sentia por ela: “(…) graças a Deus, ninguém vê meus sentimentos íntimos: estou me tornando cada vez mais fria com mamãe”.
Ademais, ela escrevia sobre suas felicidades, ambições, gostos, desgostos, planos. Anne, a partir de sua escrita, mostrava sua expressão mais íntima: um ser humano.
Sobre seus relacionamentos: sua admiração por Pim é algo justificável, mas, em muitos momentos, percebemos que ela iria ser muito injusta com ele e mesmo com sua mãe. Durante o relato, ele se mostra muito mais compassivo e atento ao que a Anne passava e sentia naquele momento conturbado de sua vida. Ela retrata o seu pai como alguém que, pelo menos no começo, podia confiar, mas, descobrimos ao nos apronfundarmos na leitura, ela nunca pôde confiar inteiramente nele, não se abrindo totalmente a ele com relação aos seus sentimentos.
Peter Van Daan é um dos membros da família que veio ao encontro dos Frank no Anexo, isto é, um dos residentes. Ele, logo no começo do período que passaram lá, é retratada por Anne como alguém tímido e quieto, sobretudo alguém que não era interessante, como descrito na chegada dele: “(…) Peter, o filho dos Van Daan. Ele não tem ainda dezesseis anos; é um rapazinho molenga, tímido e desajeitado. Acho que não se pode esperar muito dele como companhia”. Mas, com o passar do tempo, Anne sente-se muito sozinha, visto que ela não podia confiar em sua mãe ou irmã, as quais nunca fora capaz de se abrir totalmente. Sendo assim ela decide encorajar-se e começa a se conectar com Peter, sendo ele o responsável por dar o primeiro beijo em Anne. Achei que a relação entre os dois seria inevitável, pois sentia que, cedo ou tarde, ela precisaria de alguém para compartilhar sua Anne interior e se livrar da exterior.
Tal conexão foi a primeira vez que Anne pôde se abrir de verdade, não só no seu diário, mas também com alguém físico, além do paciente papel e sua amada Kitty. O fim dessa relação causou uma tremenda reflexão em mim, pois os fatores que levaram à ruína foram muito interessante, sobretudo uma pergunta que me fiz: o amor deles era verdadeiro ou somente ocorreu por eles estarem confinados, isto é, carência ou saudade do mundo externo? Pois percebe-se que Peter é muito fechado e não é nada confiante, como Anne relata em 16 de fevereiro de 1944: “(…) eu lhe disse que, com certeza, ele tinha um forte complexo de inferioridade". O fato de eles estarem confinados leva a pensar que a falta contato com o mundo exterior produz ações impulsivas, que não são feitas racionalmente, logo a aproximação deles pode ser entendida como uma necessidade/carência de afeto humano e por alguém que possa te entender.
Por fim, a maturidade emocional de Anne cresceu conforme os dias de alongavam e a cada situação enfrentada. Ainda, não se pode descartar que o medo teve um papel fundamental na construção do alicerce emocional de Anne, sobretudo o contante temor de serem capturados e as visões que ela tinha dos campos de concentração. Os disparos de canhões que ela se sentia apavorada no começo, as piadinhas feitas pela Sra. Van Daan sobre sua criação, a frieza de sua mãe e sua batalha para se encontrar emocionalmente, retratam toda a sua evolução e crescimento como pessoa. No começo de sua puberdade, é-nos mostrado o início dos seus desejos românticos por Peter, o caso do seu primeiro amor (no sonho) e até mesmo o caso com uma de duas amigas (em que ela sentiu a vontade de tocar no seu seio e no da outra).
Em suma, entendo que esses tópicos foram os que me tocaram mais ao ponto de refletir e querer não só mantê-los no meu pensamento e esperar o limbo escuro do esquecimento, mas sim expressá-los em formas de ideias e expressões. A obra é por si só uma obra prima. Ela não foi escrita para lucrar ou simplesmente um romance clichê, ordinário, mas uma história real, uma biografia, um relato do que o povo judeu enfrentou para tentar sobreviver a um dos períodos mais sombrios da raça humana. Simplesmente uma vida. A evolução da Anne foi o que mais chamou a atenção, mostrando o progresso mesmo em tempo difíceis.
Anne, você demonstrou que as palavras têm poder, mostrou-nos que, apesar das dificuldades e temores é possível ter alguma alegria, enxergar o que a natureza tem de bom, como você mesmo disse: se você está triste, abatido, olhe para o céu; observe a criação de Deus. O seu diário é um prova viva de que "O papel tem mais paciência do que as pessoas".
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